29 de março de 2024
Cenas de uma crise longe de terminar

Cenas de uma crise longe de terminar

Fotos: Orlando Brito

O presidente da República, Jair Bolsonaro, havia reservado a manhã da sexta-feira, dia 16, para representar mais um traço do personagem que vem concebendo desde que se tornou presidente da República. Em Formosa, a 80 km de Brasília, foi participar do treinamento terrestre da Marinha, em mais um dos eventos que fazem parte da extensa agenda comemorativa militar. O presidente não perde uma formatura, aniversário de batalhas, distribuição de medalhas e comendas, muito menos cerimônia de promoção de patente, entre tantas outras festinhas do calendário de atividades das Forças Armadas. Em Formosa, Bolsonaro deveria mostrar-se animado para atirar nos inimigos imaginários, mas não estava de bom humor. Talvez porque aturdido pelo noticiário do final de semana, que teve como pontos altos a prisão de seu aliado Roberto Jefferson e as pataquadas do cantor Sérgio Reis, que prometeu invadir o Senado e o STF, mas, uma vez revelado seu plano, entrou em depressão. Tadinho.

Treinamento militar em Formosa (GO) – Chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (camisa branca) e Bolsonaro: bala nos inimigos imaginários!

Bolsonaro estava ensimesmado, e não conversou com ninguém – nem mesmo com seu novo chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que também foi ao festim. O fotógrafo do Jornalistas Online (Jol), Orlando Brito, cronista diário de Brasília, estava lá e trouxe esse pormenor para o programa Política & Democracia da mesma segunda-feira, dia 16.   O jornalista e professor Luciano Martins Costa, também da equipe do Jol, apontou no mesmo programa que Bolsonaro tem razões de sobra para estar preocupado. Em sua análise, Luciano mostrou que o presidente está cercado por inquéritos nas instituições mais importantes da República – SF (Senado Federal), PF (Polícia Federal), TCU (Tribunal de Contas da União), TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e STF (Supremo Tribunal Federal), sendo que, só no TSE e no STF, há sete processos com o presidente na mira. Falta apenas a PGR (Procuradoria Geral da República) se manifestar, apontou Luciano, cujo titular, Augusto Aras, está sendo ameaçado de prevaricação por outros procuradores e, no mesmo dia, foi intimado pelo STF a dar encaminhamento a uma das investigações em 24 horas. (Dois dias após o programa, dois senadores – Fabiano Contarato (Rede-ES) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) – protocolaram no STF notícia crime por prevaricação contra o procurador-geral, Augusto Aras).

Ministro Alexandre de Moraes mira em Bolsonaro: todos as investigações conduzem ao presidente da República

Durante o programa, Cida Fontes, integrante do Jol e atilada observadora do que acontece em Brasília, interpretou as simbologias que acompanham as últimas mobilizações do poder em Brasília, e está segura de que o STF será a instituição que deterá os rompantes golpistas de Bolsonaro. Ela ilustrou sua fala de que a Suprema Corte não está sozinha e que, horas antes do programa, 14 governadores de Estado e do Distrito Federal estenderam seu apoio à instância máxima de Justiça. Na carta divulgada, eles afirmam que o Estado democrático de Direito só existe com Judiciário independente, livre para decidir de acordo com a Constituição e com as leis. Estados eleitoralmente importantes, frisou Cida, em resposta à assertiva do âncora do programa, que assina essa reportagem, de que 14 governadores era um número pequeno.

Laerte Rimoli, outro experto do manejo do poder da equipe do Jol, concordou com Luciano Martins Costa e destrinchou as investigações da CPI da Pandemia do Senado, onde Bolsonaro sofre desgaste diário há quatro meses seguidos – não sem motivo -, lembrando que o presidente também será acusado de charlatanismo ao final da CPI da Pandemia.

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 A CPI faz cair cada vez mais a avaliação de Bolsonaro nas pesquisas de opinião, lembrou Laerte, não só pela condução desastrosa do enfrentamento da Covid-19, mas também pela corrupção. Respondendo à pergunta do âncora se Ricardo Barros, líder do governo na Câmara, não havia jantado os senadores, Laerte mostrou que não, detendo-se na invertida que o líder tomou na CPI. Ele foi convidado como testemunha, mas estava disposto a tumultuar, atribuindo à comissão a dificuldade do Brasil em adquirir vacinas. Mais do que isso: os senadores, segundo ele, estavam empenhados, isto sim, em criar sua própria versão sobre a crise. Indignados, eles interromperam a reunião e agendaram novo depoimento de Ricardo Barros – agora na condição de convocado. Se for pego na mentira, poderá ser preso. Na quarta-feira, dia 18, a CPI anunciou que Ricardo Barros passara à condição de investigado pela CPI.

Mas a CPI não é a única fonte de crises, que continuam crescendo e tem data marcada para explodirem – as eleições do ano que vem, que Bolsonaro, se perder, já deixou claro que não vai aceitar o resultado. A Procuradoria-Geral não dá um pio acerca dessas intenções.

General Walter Braga Netto aplaude Bolsonaro: até onde vai o apoio dos militares? O Brasil já está sob governo militar?

O sociólogo e cientista político, Carlos Muanis, outro craque da equipe do Jol, tomou como exemplo a lerdeza e a parcialidade pró-Bolsonaro do procurador-geral da República, Augusto Aras, para chamar a atenção para a necessidade de sugerir ampla reforma na estrutura da Procuradoria-Geral da República, criada pela Constituição de 1988 para defender o cidadão, mas as brechas deixadas no texto legal transformaram-se em distorções que atacam a mesma democracia que os procuradores têm de proteger. Hoje, na prática, disse Muanis, Aras cumpre o papel do Advogado-Geral da União (AGU) – até que o STF determine que ele trabalhe. Na terça-feira, um dia depois do Política & Democracia, a subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, para decidir a favor de Bolsonaro, desqualificou o uso de máscaras para proteção contra a covid-19. Para ela, “inexistem trabalhos científicos com alto grau de confiabilidade em torno do nível de efetividade da prevenção”

Para Muanis, esses exemplos comprovam que, lamentavelmente, a democracia brasileira transformou-se num balcão de negócios. Meu pirão, primeiro – esta é a lógica preponderante nas decisões de Estado. O exemplo mais eloquente, segundo Muanis, é a dinheirama das emendas parlamentares que o governo federal está distribuindo entre parlamentares. Arthur Lira, presidente da Câmara, a quem cabe abrir o processo de impeachment de Bolsonaro, por exemplo, está sentado sobre uma bolada de R$ 11 bilhões para distribuir para os seus chegados. Todo esse dinheiro está oculto – não se sabe exatamente quando, quanto e como será gasto – porque o orçamento brasileiro é secreto, condição chancelada pelo senhor procurador-geral. Por todo esse quadro intrincado, cujo chão se movimenta diariamente em direções quase sempre opostas, Política & Democracia procurou ajudar a compreensão do Brasil não apenas para os profissionais.

Escrito por
Alceu Nader
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