Luciano Martins
Jornalistas que ingressaram na profissão em plena ditadura no Brasil compõem uma geração muito especial. Além de terem desenvolvido suas carreiras sob o peso da censura, fato que em si exigiu o aprendizado de táticas especiais de obtenção de notícias, muitas vezes cobertas pelo sigilo de Estado, viram-se diante da maior sucessão de mudanças tecnológicas de que se tem notícia desde a invenção do telégrafo.
Aliás, muitos de nós chegamos a nos comunicar com as redações, de lugares remotos, a partir de um telegrama curto: “liberar linha para mim às 19 horas”, por exemplo.
Eventualmente, tivemos que aprender a escrever reportagens e entrevistas diretamente do aparelho de telex, que não tinha acentuação. “Será” tinha que ser escrito “serah”. O pessoal da revisão sabia como interpretar aqueles hieróglifos.
Os fotógrafos tinham que revelar seus filmes em laboratórios portáteis e fazer uma pré-seleção do material porque não era possível transmitir tudo que tinha sido registrado.
Depois, repentinamente, as ruidosas máquinas de datilografia foram substituídas pelo computador, e então veio a Internet.
Mas não foram esses os únicos desafios: à medida em que a ditadura entrava em declínio, precisamos também aprender a lidar com a crescente complexidade da sociedade brasileira, suas empresas, sua política, o grande leque de possibilidades que se abria com a redemocratização e a modernidade.
Tive o privilégio de cumprir essa jornada, na qual me coube migrar da reportagem policial para a política, com passagens por economia, educação, questões urbanas, e daí para a edição, até que me coube fazer o projeto de um dos primeiros portais da web, quando ainda nem havia sido inventado o navegador: eram apenas as palavras, sem imagens, em linhas nas quais se misturavam notícias, opiniões e mensagens pessoais.
Quando me dei conta de que os espaços se tornavam estreitos demais, deixei a redação. Tornei-me executivo de empresas, especializei-me em sustentabilidade, retomando a militância ambientalista da juventude, já agora organizada com uma temporada de pesquisas na FGV, virei publisher da minha própria revista e nesse período atuei muitos anos como analista de imprensa.
Finalmente, um dia fiz o que jornalistas e advogados não costumam fazer: aposentei-me, acreditando que viveria o resto do meu tempo mergulhado em literatura, teatro, cinema.
Mas um velho amigo teve essa ideia instigante: juntar duas dezenas de jornalistas de variadas experiências e convencê-los a voltar à lide.
Cá estamos, com nossas mentes treinadas em fazer perguntas que incomodam, buscar respostas que não estão nos comunicados oficiais, investigar as razões ocultas dos fatos que interessam à sociedade, e, principalmente, estimular nas pessoas que nos honram com sua audiência e sua leitura uma curiosidade mais exigente.
Não se trata simplesmente de desmascarar o falso noticiário, combater as tais “fake news”. Nosso negócio é usar os tijolos da informação para construir conhecimento.
Prazer em conhecer.