28 de março de 2024
Usar os tijolos da informação

Usar os tijolos da informação

Luciano Martins

Jornalistas que ingressaram na profissão em plena ditadura no Brasil compõem uma geração muito especial. Além de terem desenvolvido suas carreiras sob o peso da censura, fato que em si exigiu o aprendizado de táticas especiais de obtenção de notícias, muitas vezes cobertas pelo sigilo de Estado, viram-se diante da maior sucessão de mudanças tecnológicas de que se tem notícia desde a invenção do telégrafo.

Aliás, muitos de nós chegamos a nos comunicar com as redações, de lugares remotos, a partir de um telegrama curto: “liberar linha para mim às 19 horas”, por exemplo.

Eventualmente, tivemos que aprender a escrever reportagens e entrevistas diretamente do aparelho de telex, que não tinha acentuação. “Será” tinha que ser escrito “serah”. O pessoal da revisão sabia como interpretar aqueles hieróglifos.
Os fotógrafos tinham que revelar seus filmes em laboratórios portáteis e fazer uma pré-seleção do material porque não era possível transmitir tudo que tinha sido registrado.

Depois, repentinamente, as ruidosas máquinas de datilografia foram substituídas pelo computador, e então veio a Internet.
Mas não foram esses os únicos desafios: à medida em que a ditadura entrava em declínio, precisamos também aprender a lidar com a crescente complexidade da sociedade brasileira, suas empresas, sua política, o grande leque de possibilidades que se abria com a redemocratização e a modernidade.

Tive o privilégio de cumprir essa jornada, na qual me coube migrar da reportagem policial para a política, com passagens por economia, educação, questões urbanas, e daí para a edição, até que me coube fazer o projeto de um dos primeiros portais da web, quando ainda nem havia sido inventado o navegador: eram apenas as palavras, sem imagens, em linhas nas quais se misturavam notícias, opiniões e mensagens pessoais.

Quando me dei conta de que os espaços se tornavam estreitos demais, deixei a redação. Tornei-me executivo de empresas, especializei-me em sustentabilidade, retomando a militância ambientalista da juventude, já agora organizada com uma temporada de pesquisas na FGV, virei publisher da minha própria revista e nesse período atuei muitos anos como analista de imprensa.

Finalmente, um dia fiz o que jornalistas e advogados não costumam fazer: aposentei-me, acreditando que viveria o resto do meu tempo mergulhado em literatura, teatro, cinema.

Mas um velho amigo teve essa ideia instigante: juntar duas dezenas de jornalistas de variadas experiências e convencê-los a voltar à lide.

Cá estamos, com nossas mentes treinadas em fazer perguntas que incomodam, buscar respostas que não estão nos comunicados oficiais, investigar as razões ocultas dos fatos que interessam à sociedade, e, principalmente, estimular nas pessoas que nos honram com sua audiência e sua leitura uma curiosidade mais exigente.

Não se trata simplesmente de desmascarar o falso noticiário, combater as tais “fake news”. Nosso negócio é usar os tijolos da informação para construir conhecimento.

Prazer em conhecer.

Escrito por
Luciano Martins Costa
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